O segmento das cachaças especiais vem ganhando espaço dentro e fora do
país. Elas são feitas de forma artesanal, em pequenas quantidades. Com
investimentos para melhorar a qualidade da bebida, tem agricultor ganhando
dinheiro e respeito no mercado.
A cachaça é a mais brasileira das bebidas. Faz parte da nossa cultura e
da nossa economia, desde o início da colonização, “Após 1530 chegaram as
primeiras mudas de cana de açúcar, principalmente para a produção de açúcar.
Junto com o açúcar, começou-se a produzir o álcool, a cachaça, porque era uma moeda
de troca para a compra de escravos na África pra poder movimentar esses
engenhos aqui no Brasil”, explica o químico Erwin Weinmann.
Weinemann é especialista em cachaça e já escreveu até livro sobre o
assunto. Ele conta que hoje, a fabricação artesanal da bebida emprega mais
gente no Brasil, do que a indústria automobilística. “A cachaça artesanal gera
mais de 500 mil empregos. A indústria automobilística gera 220, 230 mil”,
afirma.
O dado não leva em conta as grandes indústrias. Estamos falando apenas dos
alambiques artesanais. Empresas pequenas, que investem mais em qualidade do que
em quantidade. Estima-se que hoje existam perto de 30 mil destilarias
artesanais no Brasil, que produzem por ano algo em torno de 500 milhões de
litros de cachaça.
Um desses alambiques pertence a uma empresa familiar que produz cachaça
há mais de um século. Ivoti é o berço da imigração alemã no Rio Grande do Sul. Os
traços da colonização germânica estão preservados na Picada 48, uma comunidade
rural, tombada pelo patrimônio histórico nacional:
As primeiras famílias chegaram à Picada 48 em 1824, trazendo na bagagem
a esperança de uma vida melhor e as profissões que já exerciam na Alemanha. Uma
dessas famílias era fabricante de uma bebida destilada feita com batata: o
schinapz. Aqui no Brasil, eles conheceram a cana de açúcar e foi assim que
começou uma longa história na produção de cachaça.
Weber Haus ou em português, casa dos Weber. A família vive em 30
hectares de terra, desde 1824. Foram os avós de Hugo Weber que abriram a área e
começaram a plantar cana de açúcar. “O nosso engenho lá embaixo era tocado a
mula e boi. Não tinha motor, depois a gente comprou um motor a gasolina, depois
veio a luz elétrica”, conta.
No começo, a família produzia cachaça para o consumo e pra abastecer a
vizinhança. O pai de Hugo construiu o primeiro alambique comercial na região em
1948. “Nós tínhamos oito irmãos e ninguém queria trabalhar na cachaça. Depois
que ele nos deu o alambique eu prometi que ia cuidar”, conta.
Hugo Weber casou com Eugênia e tiveram quatro filhos, que hoje tocam a
propriedade com a ajuda de maridos e cunhados. Foram eles que, há dez anos,
decidiram mudar tudo no local.
Evandro Weber, diretor comercial da empresa, conta que o primeiro passo
foi trocar o cultivo convencional da cana pelo sistema orgânico. “Nós
aplicávamos com a mão a uréia, e sempre tinha que ser em dias molhados. Um
certo dia eu queimei as pernas e as mãos e abriu, virou uma ferida e em 2004 tomamos
a decisão de não usar mais porque eu fiquei quase três semanas com a pele
aberta”, conta.
O canavial da propriedade tem 22 hectares. Todos os resíduos produzidos
na fabricação da cachaça voltam pro campo em forma de fertilizante. O bagaço da
cana e o vinhoto, líquido que sobra no processo da destilação, são
transformados em composto orgânico.
O vinhoto, também é aplicado puro no canavial. Como explica o agrônomo,
Fábio Sato, que dá assistência técnica à propriedade. “Ele é rico em matéria
orgânica, principalmente em nitrogênio, que é o principal nutriente que acelera
a decomposição da matéria seca e os outros nutrientes que ele fornece para a
cana”, diz.
“Em média, hoje colhemos 105 toneladas de cana por hectare. É uma boa
produtividade para um sistema orgânico. Aqui no Rio Grande do Sul, a média é de
60, 70 nos sistemas convencionais”, afirma o agricultor Evandro Weber.
Do campo, a cana segue direto pra destilaria onde é esmagada três vezes,
pra extrair o máximo de caldo. Por dia, a empresa esmaga doze toneladas de
cana. O caldo cai em um filtro que retém as fibras , em seguida, vai para
o decantador onde as impurezas são separadas do caldo.
Passo seguinte é padronizar o teor de açúcar, adicionando água ao o
caldo de cana. Em seguida, a mistura segue pra fermentação. “O processo de
fermentação basicamente é a transformação do açúcar em álcool. Quem faz essa
transformação são as leveduras específicas pra esse tipo de atividade
bioquímica”, explica Valdail dal Pizzol, químico da empresa.
As leveduras são microorganismos da própria cana. O processo de
fermentação dura entre 18 e 24 horas. Depois disso, o produto está pronto para
a destilação, que acontece em um alambique de cobre.
“O caldo de cana vem fermentado, primeiramente, para o pré-aquecedor, a
uma temperatura de 75 graus, e depois disso para o destilador, que é um
alambique de cobre, onde esse caldo vai ser aquecido a uma temperatura de 92
graus. Dele sai a cachaça em forma de vapor, pelo pré-aquecedor e por último
para o resfriador, onde a cachaça vai sair em forma de líquido”, explica José
Welter, mestre alambiqueiro.
Por dia, a empresa produz quase dois mil litros de cachaça, mas nem tudo
isso é aproveitado: 20% do total são separados. São as chamadas cachaças de
cabeça e de calda. “A primeira parte que é a cabeça, tem o teor alcoólico de 70
até 60. Depois vem a parte do coração que é dos 60 até o 40 de teor alcoólico.
E abaixo de 40 é a parte da calda”, diz Evandro Weber.
A destilaria produz 1600 litros de cachaça de coração por dia. Parte
dela, vendida como cachaça branca, vai descansar em tanques de inox, por pelo
menos um ano. O restante segue para o processo de envelhecimento em barris de
madeira.
“O processo de envelhecimento é o processo que vai dar à bebida melhor
qualidade. Primeira coisa: como a madeira permeia oxigênio, vai haver uma
modificação e formação de compostos, principalmente ésteres, que dão o bouquet
à bebida. Outra grande modificação é a absorção pela bebida destilada, dos
óleos essenciais das madeiras onde a bebida foi colocada pra descansar. Cada
madeira utilizada vai emprestar uma cor, um sabor e um aroma característico
àquela madeira”, explica o químico Erwin Weinmann.
Weinmann conta que a diversidade da flora nativa do Brasil, também nos
dá uma grande variedade de madeiras que enobrecem a cachaça: “Nós temos mais de
25 madeiras cadastradas e em condições de envelhecer bebidas”.
O produtor ainda pode misturar essas bebidas diferentes para fazer
blends. Weinmann explica como descobrir se uma cachaça é boa ou não. “A
primeira é a transparência da cachaça, ela não pode estar turva. O que a gente
vê são as lágrimas que ela forma, a untuosidade da cachaça. Ela tem que estar
untuosa e fazer algumas lágrimas ao redor da taça”.
Quanto mais tempo dentro do barril, melhor a bebida. No alambique
existem cachaças envelhecidas de 1 a 12 anos. As melhores são engarrafadas em
um processo bem artesanal, com rótulos e lacres colocados um a um, manualmente.
Há um investimento muito grande na apresentação das cachaças. Inclusive,
uma variedade enorme de garrafas e uma ainda mais especial, feita em
comemoração aos 65 anos da empresa, cujo rótulo é folhado a ouro. “A gente faz
o nosso próprio molde de garrafa, registra como patente esses moldes, e nenhuma
outra cachaçaria pode usar esse molde porque é de propriedade intelectual
nossa”, conta Evandro Weber.
A empresa produz por ano 250 mil litros de cachaça e com tanto
investimento e capricho, esse é um produto valorizado no mercado. O preço varia
de 50 a 2700 reais a garrafa.
No entanto, para chegar nesse ponto, foi preciso muito investimento. “Na
estrutura nós estamos investindo, cada ano, praticamente um milhão. Em média, o
custo para produzir um litro de cachaça varia de 20 até 500 reais”, declara
Evandro Weber.
Hoje, quase 40% da produção é exportada. Denise Holler é a gerente de
exportação da empresa. “Exportamos para a América, Europa e Ásia. O estrangeiro
gosta de cachaça quando ele sabe o que é a bebida”, afirma.
Gary Qing veio da China ao Brasil, especialmente para conhecer a
cachaçaria e ficou impressionado: “É muito bacana. Muito bonito. O processo é
limpo, parece muito bom”, diz. Gary quer levar a cachaça brasileira pra China.
“Nós viemos aqui para comprar. Eu acredito que temos um bom mercado para essa
bebida na China”, afirma.
Fazendo sucesso mundo afora, a cachaça Weber hoje garante o sustento de
cinco famílias. Evandro Weber afirma que além de ganhar dinheiro, aqui se
trabalha pra dar à bebida típica do Brasil o reconhecimento que ela merece:
“Acho que é um produto nosso, nós temos que valorizar e nós vamos levantar a
bandeira da cachaça e vamos chegar a dizer: cachaça com muito orgulho”, declara
Evandro Weber.
Fonte: Globo.com